Talvez única...

Postado por Rafael em

Estavam deitados no sofá da sala, lendo e criando laços inconscientes. O cômodo era iluminado pela luz proveniente da janela. Estavam confortáveis, pois era um dia frio no verão, e lá fora caía uma suave garoa, que fazia o rapaz lembrar de sua terra natal. Até que, suavemente, ele rompe o silêncio:

Hey... posso te fazer uma pergunta?

– Hmmm... pode.

– Você acha que eu deveria desenhar coisas coloridas?

– Han?

– Desenhar... coisas... com cor.

– Essa foi a parte que entendi, bobão. Não entendi o motivo da pergunta.

– Ah ta... Eu pergunto o que eu quiser, com ou sem motivo. Agora responda!

Houve um momento de silêncio. A indelicadeza dele a surpreendeu; “O que aconteceu com o meu amável moço?”, pensou ela. Então acontece algo interessante, que demonstrava o quanto estavam ligados (e foi com algum incômodo que ele percebeu isto, muito tempo depois): eles conversaram por olhares.

– Peça com jeito!

– Ahhh... Você sabe que eu estava brincando.

– Não, eu sinceramente não sei.

– Eu sou assim, “atuante”. Era só brincadeira, bolas...

– Bolas bulhufas! Peça com jeito!

– Ta bom...Poderia me responder, por favor, ó magnânima moça a quem dedico tantas músicas?

A conversa volta ao âmbito vocal, sem que nenhum deles conceda o devido valor ao que ocorreu.

– Bom mesmo! Vejamos... Você não sabe pintar direito. Nem desenhar.

– Bobona! Sei sim! Aqueles borrados fazem parte da minha arte, que é muito complexa pra você...

– Ta ok... Eu responderei com sinceridade se você me disser qual o motivo da pergunta...

– Ah, não sei...

– Continue...

– Sei lá, é que vai que você goste mais deles assim...

– Ah, é por mim? Que fofo!

–Ta bom, ta bom... Mas e aí, o que acha?

­– Prefiro como estão agora, porque sei que é assim que você prefere... Fofinh...

– Pára! Mas então beleza... Desenhos sem cor então...

– To até feliz com você até...

– Ahn, que legal...

– Não se faça de mau!

– Eu nasci mau! As instituições que me estragaram... Quer mais gelatina de uva?

– Quero. Quer continuar a ler comigo?

Ele sorri discretamente e a olha de modo hostil (daquele dia em diante, aquilo significava “sim”).

Eles eram assim, tão unidos quanto diferentes. Ainda me pergunto se daria certo. Talvez ainda possamos descobrir! Mas este "talvez" é extremamente remoto.

"Barrel of a Gun”

Postado por Rafael em

Cada um de nós deve encontrar sua noção de permitido e proibido. Tudo não passa de uma questão de comodidade. Há aqueles que acham mais cômodo não ter que pensar por si mesmos e serem seus próprios juizes, então se submetem às proibições vigentes; acham isso mais simples. Mas há outros que sentem em si mesmos a própria lei, e consideram proibidas certas coisas que os homens de bem perpetram e a todo instante permitem outras sobre as quais recai uma geral interdição.

Qual a sua opinião à respeito da história da Marca de Caim? Crê que tal marca é um símbolo maléfico? Há quem creia que é um símbolo de... liberdade.

Exemplificarei: Segundo a Bíblia, Caim matou Abel por inveja. Caim representa o homem rebelde (o que sente em si a própria lei), enquanto Abel era o bom homem. E nesta relação podemos adotar outra interpretação diferente da bíblica:

Digamos que Caim e Abel não existiram realmente; eles representavam grupos polarizados. Consideremos que a relação de irmandade religiosa é deveras abrangente, de forma que todo assassínio é um crime entre "irmãos". Mas segundo estas suposições, o que representaria tal história (ou estória) então? Simples:

Os ditos covardes não conseguiam viver sem a comodidade da submissão, já os Caims aceitavam as normas sociais, além de usar a própria definição de certo e errado. Algo audacioso.

Creio que em certo ponto os submissos começaram a se indagar: “Já que eles não são corretos por que não são punidos?” E após muito pensarem, "descobriram": Acontece que estes que vivem fora do senso comum (Caim, no caso) não mereciam contato com os homens de bem, que eram a classe ideologicamente dominante. Eles mereciam marginalização. Bom, também podemos ser mais sinceros e diretos: "Nós, homens de bem, tememos estes 'Cains'... então decidimos sair de perto deles!"

Acredito que o que eu queria expor ficou claro. Ao menos para mim... O que não é nada convincente. Então:

Há pessoas que escolhem usar a própria lógica para decidir o que é correto. Mas as outras pessoas, que sofrem todo tipo de privações esdrúxulas, não conseguem aceitar isso. De forma que os que não estão de acordo com o consciência comum e vigente sofrem ostracismo.

Não há sentido em várias privações, as quais a "classe dominante" sucumbe atualmente. Não vejo a igreja como "privação", mas não preciso ir à uma para falar com Deus: se Ele está em todos lugares, porque eu iria à um espaço físico, que não obstante é corrompido?

Eu sei que existem pessoas que precisam destas normas questionáveis. Mas se sou capaz de raciocinar por que não expressar minha opinião livremente?

Mas como disse antes: cada um deve achar seu conceito de certo ou errado; escolher entre pensar e assumir a responsabilidade de seus atos, ou submeter-se à outras normas, de forma que qualquer erro poderá ser delegado à outrem.

PS: Não, não sou ateu. Sou cristão – mas para mim isso não significa que tenho que aceitar todas as proibições dogmáticas as quais tentam me submeter.


Inspirado em Demian de Hermann Hesse.

Verdades Inconvenientes

Postado por Rafael em

Eu estava na última noite do ano passado, então eu sei que este é outro ano. Não preciso que me avisem.

Aliás, ontem foi uma noite vazia em significado. “Nem parece ano novo”, disse meu alter ego, e concordei plenamente. Ultimamente todas as datas comemorativas têm sido vazias. O que me leva a crer que estou vazio. Mas este não é o assunto do texto.

Não creio que teremos grandes mudanças neste ano, mesmo porque eu não sei o que mudar. Ao menos eu sei o que esperar: muitas pessoas falarão sobre desenvolvimento sustentável, preservação do meio-ambiente e outras sobre corrupção.

Ah sim, a velha hipocrisia atuará como sempre. Al Gore fala sobre os impactos ambientais e aconselha aos americanos que diminuam o consumo de energia em suas casas, sendo que a sua consume 20 vezes mais energia que a média nacional norte americana (as fontes são questionáveis, mas é um fato que seu modo de vida não é um exemplo de sustentabilidade).

Eu prefiro não citar o nome dos políticos hipócritas e corrompidos. Por quê? Porque a política não está relacionada com a hipocrisia deles, e sim com a da população, e por conseqüente, é sua hipocrisia e minha também.

“Malditos ladrões, roubam tanto que temos que pagar todos estes impostos”, esta é uma frase comum, mas comum também é o consumo de produtos piratas: Cerca de 70% da população brasileira consome, conscientemente, pirataria (você consome e eu também!). As pessoas ficam revoltadas: “que vergonha isso!”, “só podia ser Brasil, país cheio de gente burra”. Mas os Homo asinus brasileiros escolhem não fazer nada além de reclamar.

Ah sim. Não posso deixar de falar da minha hipocrisia, afinal de contas sou tão ou mais hipócrita que você, o que não me impediu de escrever isto.

(Enquanto pesquisava na Internet, vi um anúncio do “maior site de relacionamentos entre evangélicos do Brasil”. Ou seja, um site para encontrar namorados virtuais só para evangélicos! Nada mais conveniente enquanto escrevo um texto sobre hipocrisia.)

Fontes:
Al Gore
Pirataria